Quem sou eu

Logroño, La Rioja, Spain
Bacharel e Mestre em Biologia pela Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho". Doutorando em Enologia pela Universidad de La Rioja (Espanha), com especialidade em Microbiologia

26 setembro, 2011

Vindimas na Espanha e o aquecimento global.



Segundo reportagem do jornal español “El Correo”, as consequências até então desconhecidas e menosprezadas do aquecimento global já começam a gerar efeitos sobre as atividades vitivinícolas. Por exemplo, na zona de La Mancha a vindima começou este ano em agosto (algo muito atípico) e em Cantabria já começa a haver produção vitícola onde antes sequer se imaginava.

Na tradicional La Rioja, em certas zonas a colheita do ano passado já foi antecipada e este ano houve já uma antecipação de até 10 dias sobre a referência do ano passado. Dado adicional curioso é que já começaram com a colheita das variedades tintas, quando antes o normal era iniciar pelas brancas. A região conhecida como “Rioja Alta” sempre necessitou praticar coupage com uvas de outra região para aumentar o grau alcoólico de seus vinhos; agora, no entanto, suas próprias uvas já chegam à vinícola com um grau bastante elevado.
Outro dado curioso é que muitos produtores espanhóis e outros europeus já começam a plantar videiras em altitudes mais elevadas.

Dados oficiais da D.O.Q. Rioja revelam que até o ano 2000 o grau alcoólico de seus vinhos situava-se entre 12 e 12,5 e agora já se encontra entre 13,5 e 14 graus. Não há dúvidas que todos os dados e esse panorama revelam uma maduração precoce e acelerada das uvas, originando caldos com alto conteúdo de açúcares mas ainda com uma maduração incompleta dos parâmetros de aroma e cor. O pH dos vinhos também é maior e assim não têm a mesma evolução de envelhecimento e ainda dão margem a contaminações microbianas. Essas desviaçoes podem ser corregidas na vinícola, mas não o grau alcoólico que é consequência direta da temperatura à qual a videira está submetida durante seu ciclo vegetativo.

(Fonte: Ortega, C. Toma de temperatura al Rioja. El Correo, 26 set 2011. <http://www.elcorreo.com/alava/v/20110926/rioja/toma-temperatura-rioja-20110926.html>. Acesso em 26 set 2011.)

18 agosto, 2011


“- Nunca pensei que meu neto fosse ser padre – o Padre Quixote viu que havia lágrimas em seus olhos. Oh, não tenho nada contra o sacerdócio, Monsenhor. Como poderia? Temos um bom Papa, mas até para ele deve ser uma tortura beber todos os dias na missa um vinho tao ruim como aquele que compra o velho sacerdote de José.
- Não se prova  mais que uma gotinha – disse o Padre Quixote. Mal se sente o sabor. Não é pior que o vinho abonecado e com etiqueta de fantasia  que servem os restaurantes.
- Sim, tem razão, Monsenhor. Oh, todas as semanas vêm aqui uns sem-vergonhas para comprar meu vinho que logo misturam com outro e o chamam Rioja, e anunciam por todas as estradas da Espanha para enganar aos pobres estrangeiros que não  distinguem entre um bom vinho e um mau vinho.
- Como distingue aos sem-vergonhas dos honrados?
- Pela quantidade que querem comprar, e porque muitas vezes sequer pedem uma taça para prova-lo primeiro. Quem me dera se José houvesse casado e tido um filho. Comecei a ensinar-lhe coisas do vinhedo quando ele tinha apenas seis anos e agora sabe quase tanto como eu e sua vista é muito melhor que a minha. Em pouco tempo teria começado a ensinar a seu filho...
- Não pode encontrar um bom administrador, seu Diego? – perguntou o prefeito.
- É uma pergunta absurda, seu Sancho... a pergunta que faria um comunista.
- Eu sou comunista.
- Perdoe-me, não estou dizendo nada contra os comunistas no lugar onde devem estar, mas o lugar que lhes corresponde não é um vinhedo.  Os senhores, comunistas, poderiam colocar administradores, se quisessem, em todas as obras de cimento da Espanha. Poderiam nomear administradores para dirigir as obras de construção e suas empresas armamentistas, para cuidar do seu gás e da sua eletricidade, mas não se pode deixá-los encarregados de um vinhedo.
- Por que, seu Diego?
- Um vinhedo é algo vivo como uma flor ou um pássaro. Não foi feito pelo homem; este apenas o pode ajudar a viver... ou morrer – adicionou com uma melancolia tão profunda que seu rosto perdeu toda a expressão. Fechou a cara, como um homem que fecha um livro quando se dá conta que não quer lê-lo.”


(Grahan Greene. 1982. Monseñor Quijote. Ed. Argos Vergara, Barcelona, p 193.)

07 agosto, 2011

O vinho do Porto

Depois de algum tempo fora do ar, aproveito este domingo ensolarado e algo mais fresco para uma deixar uma nova postagem por aqui. Revigorado por nossa estadia no final do mês passado pela cidade do Porto e por um trechinho do Rio Douro,  aproveito a ocasião para  falar um pouco sobre o tão aclamado vinho do Porto.

O vinho do Porto entra na categoria de vinhos licorosos, mais especificamente como vinho fortificado. Isto porque sua característica intrínseca é a interrupção da fermentação pela adição de aguardente vínica. Este procedimento confere ao vinho sua elevada concentração em açúcares (que não puderam ser finalmente consumidos pelas leveduras) e elevado grau alcoólico (entre 19 e 20%).
Existem basicamente quatro tipos de vinho do Porto: o Branco, o Rosé o tinto Ruby e o tinto Tawny.
O estilo Ruby designa um vinho jovem robusto que mantém sua coloração tinta e os aromas tipicamente afrutados. Suas categorias, em ordem crescente de qualidade seriam o Ruby propriamente dito, o LBV (“Late Bottled Vintage”, ou seja, “safra engarrafada tardiamente”) e o Vintage. O Vintage e o LBV são vinhos que podem ainda envelhecer em garrafa por um tempo, já o Ruby deve ser consumido prontamente.

A categoria superior seria a dos Tawnies. Neste caso são vinhos que foram submetidos a envelhecimento em cascos ou tonéis de carvalho e já apresentam certa evolução de cor e de aromas (frutos secos e madeira). Para sua composição em garrafa passam pelo processo de “lotação”, onde diferentes lotes de vinhos com diferentes graduações alcoólicas e idades são mesclados para obtenção do produto final. Suas categorias em ordem crescente de qualidade são: Tawny, Tawny Reserva, Tawny com indicação de idade (10, 20, 30 e 40 anos) e Colheita. Vale lembrar que neste caso, como os vinhos passam por um processo oxidativo em durante sua evolução em madeira, tendem a apresentar matizes de coloração que vão desde o vermelho até uma coloração telha, parda, ou até âmbar. Paralelamente, os aromas também aumentam em complexidade.


Harmonização
Aperitivo: amêndoas torradas, salmão defumado, ameixas ou tâmaras secas harmonizam bem com um Porto Branco Seco. Outro bom aperitivo e uma forma moderna de apresentá-lo é com água tônica e algumas rodelas de limão, conhecido como Portonic. Já um Tawny pode ser uma ótima escolha para acompanhar um bom patê.

Refeição: Se as refeições forem leves (saladas, peixes grelhados como o salmão ou sopas à base de nata), o Porto Branco continua a ser uma excelente escolha. Se as entradas incluírem queijos fortes ou patês, os Tawnies 10 anos refrescados devem ser escolhidos, assim como se os frutos secos, como as nozes também fizerem parte do prato. Nos assados e bifes com molhos intensos com pimentas ou algumas especiarias, o LVB é opção ideal para o acompanhamento, equilibrando a intensidade de sabores.
Sobremesa: Estes vinhos também são excelentes para se apreciarem sozinhos. Para o café, um Tawny 20 anos ou mais velho é a harmonia perfeita. Estes vinhos de lote, como os 30 anos e mais de 40 anos, proporcionam por si sós experiências intensas quando servidos ligeiramente frescos (para que possa apreciar os aromas plenamente). Os Colheita, embora possam ser apreciados sós, podem combinar com as sobremesas recomendadas para os Tawnies, dependendo da sua idade.

 Além do mais, vale lembrar que há uma série de receitas de pratos e sobremesas usando as diferentes classes de vinho do Porto como complemento.








CONSERVAÇãO

Depois de aberta a garrafa de vinho do Porto, a sua conservação dependerá da categoria de vinho do Porto e do local onde será guardada. Os tempos abaixo sugeridos servem como orientação, pelo que não se pretende afirmar que o vinho se deteriora completamente, mas que vai havendo uma lenta evolução que leva à perda das características sensoriais originais.    
Vintage: 1 a 2 dias
LBV: 4 a 5 dias
Crusted: 4 a 5 dias
Ruby / Ruby Reserva: 8 a 10 dias
Tawny / Tawny Reserva:  3 a 4 semanas
Tawny com Indicação de Idade (10/20/30/40): Entre 1 a 4 meses (os mais novos menos tempo, os mais velhos mais tempo)
Brancos com indicação de idade (10/20/30/40): Entre 1 a 4 meses (os mais novos menos tempo, os mais velhos mais tempo)
Colheita: Entre 1 a 4 meses (os mais novos menos tempo, os mais velhos mais tempo)
Brancos “standard” dependente do estilo: Moderno  (frescos e frutados): 8/10 dias; Tradicionais (estilo oxidativo): 15/20 dias



Temperaturas de serviço

Porto Rosé: 4ºC
Porto Branco: 6-10ºC
Porto estilo Ruby: 12-16ºC
Porto estilo Tawny: 10-14ºC



Para mais informação visite: http://www.ivp.pt/index.asp?idioma=0








19 junho, 2011

VINEXPO 2011: Degustaçao de vinhos da Turquia.

Bordeaux, 19 de junho de 2011.

Esta tarde tivemos ocasião de participar de uma degustação de vinhos da Turquia no primeiro dia da Vinexpo, em Bordeaux.
Curiosamente a degustação nos surpreendeu bastante, e tivemos a ocasião de provar grandes vinhos. O primeiro a salientar é a coexistência de inúmeras variedades autóctonas com as de renome internacional. Como variedades locais brancas podemos citar a Emir, Narince, Sultaniye e Bornova Misketi, e como tintas, a Çalkarasi, Kalecik Karasi, Öküzgözü e Bogazkere. Além disto, dentro das variedades internacionais, estão produzindo a Sauvignon Blanc, Chardonnay, Merlot, C. Sauvignon e Shiraz.

A degustação, a cargo do sommelier Paolo Basso (Meilleur Sommelier d'Europe ASI 2010), começou com o vinho branco Vinkara (var. Narince, 2009). Vinho moderno e expressivo, apresentava uma coloração amarelo-palha com matizes dourados, muito brilhante. Intensidade alta em primeira olfação e exibindo elegante bouquet com predominância de frutas tropicais cítricas, kiwi, abacaxi e melão. Em nariz apresentava também um certo caráter defumado e algo mineral. Vinho untuoso em boca, com bom conteúdo glicérico e um pós-gosto prolongado e ainda devolvendo essas recordações a cítricos e frutas tropicais.

O segundo branco era um Vinolus (Chardonnay, 2009, 13,5%). Coloração amarela profunda com matizes dourados intensos; muito brilhante e vivo. Intensidade aromática alta com predominância de caráter defumado e a tabaco e cítricos em segundo plano. Apresentava em segunda olfação aromas a café, baunilha, caramelo, e abundânciade frutas tropicais, cítricas especialmente. Em boca mostrava-se um vinho muito intenso com um certo amargor persistente mas não verde, com algum toque mineral (provavelmente em função do solo vulcânico de origem), acidez bem equilibrada e álcool pronunciado; apresentava notas típicas cítricas (limão e pomelo) e minerais, além de um certo toque a coco, baunilha e torta de maçã. Enfim, um vinho bastante dinâmico, fresco e expressivo.

O terceiro vinho da sério foi um tinto Kavaklindere (var. Öküzgözü, 2008, 13,5%). Um vinho fácil de beber, com uma coloração rubi intensa e brilhante. Boa intensidade aromática, com notas florais e a frutas frescas como ameixa e cereja. Com a agitação da taça vinham à tona aromas a frutas negras maceradas e certo toque apimentado e a ervas frescas. Em boca apresentava um bom ataque e intensidade moderada, notas a geléia de frutas do bosque, acidez presente e certo calor alcoólico, taninos vigorosos e pronunciados. No pós-gosto nos retornava essas notas a especiarias mas com uma duração média, deixando a desejar um pouco neste ponto.

O quarto vinho foi um Vinolus tinto (var. Shiraz, 2009, 14,9%). Um vinho rico, expressivo e muito generoso, porém não demasiado sofisticado. Coloração densa, muito lacrimoso (indicando boa estrutura). Intensidade média-alta em primeira olfação, denotando frutas maceradas, pimenta negra, framboesas e um álcool potente. No paladar, um vinho impactante, com álcool persistente, bem balanceado e com boa acidez; muito expressivo. Taninos marcados no paladar médio, bem adstringentes, mas não chegando a verdes. Pós-gosto de intensidade média que, provavelmente com mais aeração, se expressaria mais.



A continuação nos deparamos com o Doluca Signium assemblage de Shiraz, Cabernet Sauvignon, Merlot e Cabernet Franc (2008, 14,8%). Vinho de coloração densa e brilhante e pequena auréola denotando tendência ao envelhecimento. Bouquet rico em especiarias, defumados, frutas negras em compota; álcool potente. Em boca apresentava um calor generoso, notas a melão, mas com uma adstringência um pouco verde. Intensidade alta no pós-gosto, indicando boa técnica de assemblage, pedindo mais aeração antes do serviço e com potencial de guarda de 6 a 7 anos.



O sexto vinho também tratava-se de um assemblage. Kayra (2006), apresentava 80¨% da variedade Öküzgözü, 6% Shiraz, 7% Bogaskere, 6% Petir Verdot. Boa intensidade colorante, vermelho-escuro. Intensidade média-alta em nariz, com aromas a compota, porém um pouco oxidado. Em boca apresentava um calor generoso, alcoólico, rico e bem estruturado; taninos potentes e com um certo caráter viril. Vinho com um caráter bastente rústico, ideal para acompanhar carnes de uma ocasião festiva.

Por último, e um dos mais curiosos no meu ponto de vista, provamos o Kayra Imperial Shiraz (95% Shiraz, 5% Petit Verdot; 2005, 13,5%). Curioso porque é um assemblage que será marcado pelas variedade mais destacada de cada ano, sempre diferente. Concretamente, este apresentava uma intensidade média-alta, maduro, com aromas de frutas do bosque, rico e expressivo também. Em boca era balanceado, com um ataque pronunciado e quente. Taninos potentes, não agressivos, e tendendo a abrir-se volumosamente no paladar. Boa acidez, expressivo e bem estruturado. Final longo, intenso, franco e afrutado. Um vinho elegante e potente, com potencial para harmonizaçoes com pratos de gastronomia mais estilizada.